A tecnologia dá os primeiros passos fora dos laboratórios para entrar no dia a dia das empresas.
A feira anual Consumer Electronics Show (CES), realizada em Las Vegas, conta boa parte da história da tecnologia desde 1967. Na edição mais recente, 180 mil pessoas passaram pelos corredores do evento para conferir os produtos que as empresas expositoras vão tentar vender. Alguns vão emplacar, outros vão cair no esquecimento. Mas um lançamento, realizado no dia 8 de janeiro de 2019, tem boa chance de ser lembrado para sempre: o Q System One, o primeiro computador quântico do mundo, de uso comercial abrangente. O equipamento negro, com aparência de escultura futurista,é um marco histórico.
A tecnologia entra numa nova fase de uma maratona iniciada há décadas. Trata-se de uma corrida para levar a tecnologia dos laboratórios até o dia a dia das empresas, um esforço que hoje inclui colossos como Alibaba, Google e Microsoft, além de inúmeras startups. Em sua famosa curva de adoção de novidades, a consultoria Gartner estima de cinco a dez anos para que a computação quântica entre na fase de uso produtivo nos negócios.
A nova tecnologia será muito melhor para fazer simulações complexas e tratar de questões probabilísticas, e a IBM vai tentar convencer o mercado a acelerar a mudança. “Precisamos da computação quântica para simular a natureza. Isso vai ser fundamental para a descoberta, entre outras coisas, de novos medicamentos”, afirmou o americano Robert Sutor, vice-presidente da IBM e responsável pela estratégia quântica da empresa. Ele enumera outras atividades que vão se beneficiar de simulações mais perfeitas: gestão de investimentos, mensuração de risco em diferentes cenários, pesquisas de novos materiais, entre várias outras.
Há previsões de mudanças tectônicas na área de segurança da informação. Encriptação pode ser invulnerável diante de ataques feitos por computação clássica. Mas algumas formas de criptografia comuns atualmente tendem a se tornar obsoletas de uma vez só, se o poder de processamento quântico for usado para quebrá-las, o que varreria do mapa empresas do setor que não se prepararem para a mudança.
A mudança radical ocorre porque a nova tecnologia tem fundamentos completamente distintos de sua predecessora. A computação clássica se apoia na lógica binária, em que um bit vale 1 ou 0. Em vez de bits, computadores quânticos usam qubits para fazer cálculos. Um qubit pode valer 1, 0 ou alguma combinação intermediária dos dois. Isso dá à nova tecnologia capacidade de resolver problemas aparentemente impossíveis.
O potencial da novidade começou a chamar a atenção de governos e empresas nos anos 80, após matemáticos assentarem os alicerces teóricos para a tecnologia. A IBM avança na área desde a década de 90, quando ainda era difícil imaginar efeitos na realidade corporativa. No final do ano passado, o governo americano se comprometeu a investir US$ 1,2 bilhão no segmento em cinco anos. O movimento segue iniciativa semelhante da União Europeia, que irá destinar € 1 bilhão ao longo de dez anos. Já a China anunciou um pacote de US$ 10 bilhões, que inclui a construção de um centro de pesquisa especializado na área.
Por enquanto, nenhuma empresa brasileira usa a computação quântica, afirma o diretor do Laboratório de Pesquisas da IBM Brasil, Ulisses Mello. “Tivemos algumas conversas na área bancária”, diz. O cenário interno de economia fraca realmente recomenda cautela em transições do tipo. Em outros países, a IBM conquistou seus primeiros aliados. Fez parceria com empresas como Barclays, JP Morgan, Daimler, Honda e Samsung, para explorar possibilidades em cada setor.
Nada disso significa substituição pura e simples dos PCs instalados nas empresas consumidoras de tecnologia. A computação clássica vai continuar eficiente e barata para tarefas determinísticas (e não probabilísticas), como processar folhas de pagamento, gerir bancos de dados, rodar aplicativos, navegar na internet. A computação quântica, por enquanto, não ajuda nessas tarefas. O modelo que se vislumbra, ao menos para as próximas décadas, é híbrido. Além disso, o modelo de negócios mais provável para a tecnologia quântica é a oferta de serviços em nuvem.
Os primeiros passos foram dados. A computação quântica pode nos levar a território novo. Se o passado do setor de tecnologia nos servir como guia, pode-se dizer que provavelmente estamos superestimando o que a computação quântica será capaz de fazer nos primeiros anos e subestimando,em muito, o que virá.
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